Não olhe para o filme: Documentários indicados ao Oscar 2022

Não olhe para o filme
Documentários indicados ao Oscar 2022
(por Henrique Maranhão)

Assim como apreciar uma boa cerveja ao som de The Kinks, poucas coisas me dão tanto prazer quanto assistir um excelente documentário. Não pensem que possuo algum entusiasmo por qualquer uma dessas grandes premiações. Se você ainda não tem noção do que acontece nos bastidores, para a escolha das produções indicadas, recomendo um vídeo do canal “Dalenogare Críticas“, sobre como o ex-produtor Harvey Weinstein comprou o Oscar de melhor filme para “Shakespeare Apaixonado”, em 1999, alterando, de forma significativa, o processo de investimento nas campanhas dos filmes selecionados. Claro que já tivemos ótimos filmes premiados em diversas edições, tanto do Oscar quanto das principais premiações. Mas, de um modo geral, a maioria dos lançamentos, que concorrem ano após ano, não me interessam. Tenho uma lista gigantesca de filmes que preciso ver, diretores e escolas de cinema que preciso me aprofundar, para fins de pesquisa e paixão. Todo respeito com aqueles que buscam apenas entretenimento. Mas não posso me dar ao “luxo” de perder tempo com produções medianas ou blockbusters caça-níqueis, que todos comentam por um breve momento para, em seguida, ocuparem seus lugares no lixo da história cinematográfica. Óbvio que não vou assistir “Não Olhe para Cima” e muito menos “Duna”. Porém, talvez eu direcione minha atenção para “Licorice Pizza” ou “Ataque dos Cães”, em um momento de descontração ao lado de uma amiga. Não precisamos ser profundos o tempo inteiro, é maravilhoso receber um boquete durante um filme com trilha conduzida por Jonny Greenwood.

Da mesma forma que os filmes, documentários também precisam de investimento nas campanhas, para serem considerados. Sabemos que apenas o selo de indicação ao Oscar é valioso e, portanto, custa caro. Além do lobby, questões políticas e internas entre os membros da Academia podem fazer com que ótimas produções sejam esnobadas. Enquanto aberrações sem alma acabem se consagrando. Percebam a importância das indicações para documentários que, ao contrário dos filmes onde a maioria dos indicados já são conhecidos do grande público, temos um holofote para incríveis produções, de diversos países, que passariam despercebidas.

Estou convencido de que um bom documentário tem mais força que um bom filme. São raras as ocasiões em que a adaptação de um filme de ficção consegue estar à altura do livro. “2001: Uma Odisseia no Espaço”, se tornou uma obra-prima. E muito se deve à parceria bem sucedida entre o diretor Stanley Kubrick com o autor Arthur C. Clarke na estrutura do roteiro. Claro que um filme pode ser bem realizado sem a participação do autor. “Minority Report“, dirigido por Steven Spielberg e “A Scanner Darkly“, dirigido por Richard Linklater, são apenas dois exemplos de adaptações dignas das obras de Philip K. Dick. Já a série de televisão britânica e atualmente no catálogo da Amazon, “Philip K. Dick’s Electric Dreams“, é uma decepção em todos os aspectos. Um projeto vergonhoso, onde apenas o episódio “The Hood Maker” consegue se salvar, devido à sua boa direção de arte e ambientação ao estilo “Blade Runner“. Se você, assim como eu, foi arrebatado pelo conto “Color Out of Space“, escrito por Lovecraft, aconselho passar longe do filme estrelado por Nicolas Cage em 2019. Essa adaptação merecia, no mínimo, um diretor no nível de Frank Darabont. Com certeza, o diretor que melhor traduziu Stephen King para o cinema daria conta do recado. Considere que o horror cósmico de Lovecraft é muito mais difícil de adaptar para as telas do que Stephen King, mas, em se tratando de “Color Out of Space“, acredito que seja o mais cinematográfico conto lovecraftiano.

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Foto: Stanley Kubrick e Arthur C. Clarke dutante a produção de 2001: A Space Odyssey

Claro que existem exceções, em minha concepção, sobre a força de um bom documentário em relação a um bom filme. “The House that Jack Built“, dirigido por Lars von Trier, deixa qualquer documentário sobre assassinos em série jogado na sarjeta. Estou dizendo apenas que, em geral, livros de ficção são infinitamente melhores que os filmes. Mas, no caso de um documentário bem realizado, dificilmente um livro de não ficção sobre o assunto pode superá-lo. Nenhum livro sobre o tema possui o impacto das declarações do ex-secretário de defesa dos EUA, Robert McNamara, no brilhante “The Fog of War“, dirigido por Errol Morris. Você pode argumentar que “Into the Wild“, dirigido por Sean Penn, não só retratou de forma incrível uma história real, como a experiência foi potencializada por uma bela trilha sonora. Mas, se o jovem retratado no filme tivesse registrado momentos de sua experiência com uma câmera, e, posteriormente, um bom diretor trabalhasse com o material, seria impressionante. Um exemplo épico está no documentário “The Beatles: Get Back”, dirigido por Peter Jackson.

Recentemente, ao pesquisar sobre o aumento do interesse do público por documentários, encontrei um gráfico que me parece sólido e coerente, ao ponto de ser divulgado nas redes sociais de autores renomados, inclusive se utilizando da base de dados do IMDb. Podemos perceber uma explosão de crescimento no interesse por documentários, desde os anos 2000. E acompanhar a queda vertiginosa de gêneros que já alcançaram picos de interesse no passado, como filmes musicais, filmes de guerra e faroeste.


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Documentários indicados ao Oscar 2022

 

Temos um brasileirinho encarniçado disputando o Oscar na categoria de documentário em curta metragem. Não costumo dar nota às produções. Pra mim, ou é uma bosta, ou razoavelmente bom, ou foda pra caralho. “Onde eu moro“, dirigido pelo carioca Pedro Kos, em parceria com Jon Shenk, é bom. Realizado ao longo de três anos, retrata a vida de pessoas sem teto em cidades como Seattle, Los Angeles e Califórnia. O relato de uma mulher negra, em situação de rua, com filhos pequenos e grávida de um estupro, chegando a arrancar lágrimas de uma assistente social, é devastador. A trilha sonora é exemplar, já que não pretende ser melancólica e emocionar a plateia a qualquer custo. As imagens e depoimentos são suficientes.

Flee“, documentário de animação independente, dirigido por Jonas Poher Rasmussen; o representante da Dinamarca entrou para a história da premiação ao concorrer como melhor documentário, melhor longa-metragem animado e melhor filme internacional. Um projeto realmente bom. Com momentos de animação que remetem ao estilo usado no clipe “In Any Tongue” de David Gilmour, animação de Danny Madden. Música que, inclusive, tem relação com “Flee“, em se tratando dos dramas da guerra. Mesmo achando uma boa proposta, ainda mais devido ao fato da animação ser usada para preservar a identidade das pessoas e do protagonista, confesso que criei muita expectativa e achei cansativo. A jornada do protagonista, com suas lembranças de criança refugiada do Afeganistão, acaba sendo arrastada pela direção; penso, também, que esse tema está sendo explorado demais. Basta lembrar que, em 2020, tivemos três, entre os cinco indicados, com praticamente o mesmo tema. Sendo dois deles relatando o drama de crianças na Síria. E o que acabou mais me cativando entre os escolhidos de 2020, foi a produção macedônica “Honeyland“, um drama delicado e muito menos apelativo. Claro que, quando bem realizadas, é importante trazer essas histórias ao público. Mas como entretenimento, uma hora cansa. Basta analisar a queda do interesse pelos filmes de guerra.

Ascension” dirigido por Jessica Kingdon, com distribuição americana pela MTV, retrata as relações sociais na China, dentro de um mercado de trabalho altamente competitivo. Alguns bastidores das fábricas chinesas, incluindo treinamento de funcionários, são realmente chocantes para quem está habituado aos direitos trabalhistas ocidentais. Gosto desse estilo. Mas algo me cansa nesse excesso de narração dos documentários atuais, como um jogo de futebol onde o narrador não pode calar a boca por um único segundo. E os poucos diálogos me pareceram sem sentido.

Tanto ao “Attica“, dirigido por Stanley Nelson e Traci Curry, quanto ao “Writing with Fire“, com direção de Sushmit Ghosh e Rintu Thomas, não tive paciência para assistir. De cara, os temas já não me empolgaram e desisti da apreciação em dez ou vinte minutos. Não estou dizendo que essas produções são ruins, até porque eu não sei. Fui tomado pela influência de Glória Pires comentando o Oscar 2016, e afirmo: não sou capaz de opinar!

Quando pensei que este ano seria fraquíssimo em relação aos documentários, meu coração transbordou de alegria com “Summer of Soul“, dirigido por Ahmir “Questlove” Thompson. Resgatando, 50 anos depois, as imagens do Harlem Cultural Festival de 1969. Mesmo em se tratando de propostas musicais diferentes, impossível não fazer um paralelo com o superestimado festival de Woodstock, já que ambos os eventos acorreram no mesmo verão. Enquanto em Woodstock temos poucas apresentações de alto nível e vários artistas medonhos, como a insuportável Joan Baez, o festival do Harlem faz o oposto, mantendo a qualidade nas alturas. Temos Stevie Wonder arrebentando com apenas 19 anos. B. B. King, Sly & the Family Stone, David Ruffin cantando clássicos dos Temptations. Uma incrível apresentação do grupo The 5th Dimension, com os cantores comentando sobre o evento. E claro, Nina Simone ao piano, com direito a discurso incendiário no ritmo de uma estrela dançarina africana. O que mais você quer? Estamos falando de um resgate da memória histórica. Sendo que muitos, na indústria cultural, o consideraram, na época, um festival irrelevante. O diretor contou com apoios financeiros para um delicado trabalho de restauração. Mais de 300 mil pessoas acompanharam o evento ao longo de algumas semanas, com os “Panteras Negras” fornecendo a segurança e o patrocínio de uma empresa de café. A montagem do filme, que não descarta o contexto histórico, mantendo o foco nas apresentações lendárias, é impecável. Não tenho mais palavras. Considerando todas as dimensões de “Summer of Soul“, após tanto tempo abandonado em um porão, ganhar a estatueta do Oscar se torna simbolismo ordinário. Já temos um vencedor antecipado.

Henrique Maranhão é roteirista, escritor e produtor musical.
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*** Canal do Rock, Diagramação por Marcelo Vasconcelos. ***
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